FRAGMENTO DE ARTIGO ( leia na integra no link abaixo)
Cento e vinte e nove anos depois da abolição da escravidão, e a despeito do mito da democracia racial, o preconceito de raça continua bastante disseminado na sociedade brasileira – tão disseminado que se manifesta até mesmo no interior de “famílias inter-raciais”. Esta foi a conclusão de uma pesquisa realizada pela psicóloga social Lia Vainer Schucman.
O estudo foi tema de pós-doutorado realizado na USP com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), com colaboração de Felipe Fachim e supervisão de Belinda Mandelbaum, coordenadora do Laboratório de Estudos da Família do Instituto de Psicologia (IP) da USP.
“Nosso objetivo foi verificar se e como as hierarquias raciais da sociedade se reproduzem no interior de famílias cujos integrantes se autoclassificam diferentemente em relação à ‘raça’: como ‘brancos’, ‘negros’ ou ‘mestiços’. E como essas hierarquias coexistem e interagem com os afetos”, disse Lia Schucman à Agência Fapesp.
Além de esgotar a literatura especializada, a pesquisa, que se estendeu por três anos, valeu-se de entrevistas presenciais com 13 famílias de diferentes regiões do País. Os resultados foram reunidos no livro Famílias Inter-raciais: tensões entre cor e amor, com lançamento previsto para 2017.
“O tema configurou-se a partir de minha interação com pessoas dessas famílias – pessoas que, por assim dizer, vivenciavam as ‘contradições raciais’ em suas próprias peles. Isso aconteceu no final da minha pesquisa de doutorado, que tratou da questão da ‘branquitude’ (leia a respeito dessa pesquisa anterior
neste link). Nessa época, em função do estudo que estava realizando, comecei a ser bastante convidada para dar palestras. E, frequentemente, depois das palestras, pessoas se aproximavam para contar casos de sofrimento decorrentes do racismo em suas próprias famílias. Isso ocorreu muitas e muitas vezes. A partir dessas conversas, percebi que as famílias poderiam ser uma chave para entender as relações ‘inter-raciais’ no contexto maior da sociedade”, disse a pesquisadora.
Lia partiu do pressuposto de que “raça” não é um dado biológico, mas uma construção social. Trata-se, segundo ela, de uma construção, baseada no fenótipo, que engendra e mantém profundas desigualdades materiais e simbólicas na sociedade, e impacta o cotidiano de milhões de pessoas.
“Se a existência de ‘raças humanas’ não encontra qualquer comprovação no âmbito das ciências biológicas, elas são, contudo, plenamente existentes no mundo social, como afirmou o sociólogo Antonio Sérgio Alfredo Guimarães”, disse Lia. Com base nesse critério, ela selecionou, para o estudo, famílias nas quais pelo menos um dos integrantes reconhecia que o grupo familiar era composto de pessoas de diferentes raças.
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