sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Retrospectiva 2018 



      Ao iniciar o ano de 2018 com a turma do 5ºano C,  realizei muitas descobertas através de trabalhos lançados para as crianças. Uma fala em meados de abril, de que faríamos uma escrita de coisas que gostamos, coisas que não gostamos e que também não temos coragem de contar aos pais ou amigos. Embarcamos então para uma história que ao longo do ano teve outro desfecho.
      Pedi que escrevessem em uma folha do caderno , não era necessário se identificar. O propósito era para eu conhecer e compreender as crianças que estavam sob minha responsabilidade e auxiliá-las no processo ensino aprendizagem. Pois alguns alunos já haviam sido meus alunos no ano de 2017. Dentre esse  alunos, com muita dificuldade de leitura e escrita, pois quando em 2014 realizei um trabalho com alguns na função de professor apoiador (função extinta pelo estado atual).
     Ao recolher as folhas, isto era uma sexta-feira, guardei-as para ler no fim de semana.  Liberei as crianças para o recreio, mas duas estavam na sala de aula e uma chorando. Me aproximei e perguntei o que houve. Uma das meninas me disse, -sora , ela tá com medo. 
   Eu ainda não havia entendido sobre o quê. A criança veio então a me abraçar e chorar. Então compreendi o que havia acontecido. Convidei-a para conversar e ela concordou. Perguntei se poderia conversarmos na orientação escolar, lá poderíamos ter melhor compreensão das coisas. A menina ( 10 anos) relatou que vinha sendo molestada por seu padrasto a tempo, sempre no horário que a mãe estava no trabalho. Foi chamado a mãe imediatamente na escola, quando ela chegou, foi recebida pela direção e conselho tutelar.  Foi feito B.O , e foi assim que as coisas se sucederam. Após a mãe negou, disse que a criança inventou para proteger o companheiro. O depoimento da criança é rico em detalhes, pedi uma cópia para guardar. 
Na semana seguinte, foi acionado o Ministério Público, dando seguimento no caso. Na mesma semana, a mãe transferiu a menina para outra escola do bairro. Fica então uma criança a merce da violência sexual, dentro de sua própria casa. 

No sábado fui lendo e a cada leitura identificava alguns, pela letra, desenhos, folha do caderno. Ao ler, fui imaginando a cena descrita, com mágoa e dor como estava escrito. Chorei. Houve um estupro ali naquelas linhas, a criança escreveu como e quando aconteceu e quem era. Fiquei chocada e esperei a segunda feira. Como proceder novamente?
   Não consegui identificar quem escreveu, era outro caso.  Esperei. Na mesma semana, descobrimos dois casos de abuso sexual, ao meio dia quando estávamos nos preparando para o turno integral, outra aluna se aproximou e disse: -sou eu , a menina da carta. Eu tinha 7 anos quando aconteceu, falei pra minha mãe, mas ela disse que o pai iria matar o sobrinho, filho de seu irmão. Então me calei. Mas não consigo viver com isso, as festas de natal e fim de ano, ele está lá. 
Perguntei a ela, se ela me autorizava a falar com sua mãe, ela disse que sim. Conversei primeiro com a orientação escolar, depois chamamos a mãe.
Com a mãe, procedi da seguinte forma, fui conversando com ela sobre as produções textuais e fui mostrando o trabalho de algumas, alguns sorrisos, pois tinha coisas engraçadas, escolhi as que ela deveria ler, pois eu preparei minha estratégia. Eu queria que ela sentisse alegria e ao mesmo tempo se preocupasse com o que sua filha havia escrito, no momento ela parou e já reconheceu a história. Chorou, pois um relato de um filho ao professor dói muito, o professor é considerado um amigo.  
Pedimos então a ela que conversasse com a filha, que estava na sala ao lado. Ao vê-la, abraçou-a e pediu-lhe perdão. Foi uma cena forte. A mãe assinou uma ata de que levaria a menina para apoio profissional adequado e que teria uma conversa com o marido. 
O retorno que tivemos tempos depois, foi de saber que o marido está preso por causa do tráfico e que não houve conversa nenhuma. Ficou então a menina ( 11 anos) com essa tarefa difícil para enfrentar. A mãe, falu com a orientação da escola que não iria mais a reunião familiares onde o individuo estaria. Hoje com 25 anos e casado ( relato da mãe).

Então ficou assim, eu de olho nas crianças e monitorando de longe.  

Em outros momentos , parece que estou no momento certo o até quem diz no momento errado. Um dia comum, fui a turma 5ano B para ver alguns alunos que estavam em minha chanada, mas não estavam presentes, eram alunos novos. Bati na porta como de costume e entrei. Havia uma aluno soqueando outro que estava sentado. A professora estática, então me aproximei e disse para parar. Ele me olhou e reclamou que o "cara não tá fazendo nada" , é para ele parar de ficar rindo.  Pedi para ele ir para o outro lado da sala, a professora dele foi para a rua, nesse momento fiquei olhando para ele e ele se aproximou de mim e disse: -sora, tu não sabe nada da minha vida, não sou quem tu acha que sou. E me mostrou uma arma na cintura.  Então eu ignorei ele e falei para os outros, vim convidar voces para uma atividade na quadra, está acontecendo um jogo e nossa turma tá esperando.  Venham em fila rapidinho pra gente ir jogar. E fui levando as crianças atras de mim... até a secretaria.  Quando cheguei lá, disse para eles sentarem e me esperarem. 
No retorno a sala de aula, vi que dois brigadianos haviam levado o aluno ( 14 anos) e que a mãe dele estava aos gritos. Ele já havia batido em uma professora na entrada e tinha acabado de dar um soco em outra. A arma ele escondeu, os brigadianos não acharam, não sei se era de brinquedo, também não tive que pensar muito, a ideia e a tirar as crianças da sala em segurança. 

Em outro episódio, a professora da sala ao lado se formou, (era estagiária) e a atual entrou em licença maternidade. Os alunos então ficaram uma parte comigo e outra parte na sala do 5A .
A aula ia bem até... que um aluno do  5B que estava conosco, perguntou se eu queria ver um brinquedo que ele tinha na mochila... (droga! pensei outra pedreira!)
Mas mantive a postura e lhe disse: -não, não quero ver!   em seguida falei: -quero ver sim! me mostra
O menino tirou da mochila uma base de uma raquete de matar mosquito com dois pregos na ponta ! funcionando, dando choques! era uma arma caseira. 
Pedi então para ver melhor e lhe disse: sabe que isso não é permitido né? ...sabia que hoje como está chovendo e tu estás com esse objeto de choque, podes matar uma pessoa com a carga elétrica? que um adulto até pode aguentar um choque, mas uma criança e uma pessoa idosa ou cardíaca não?
 Ele então disse que era fraquinho e que não doía. Eu lhe disse então: _ então eu vou testar em mim mesmo... ele ficou me olhando... e ...zzz
 Tomei um choque louco! e pedi que ele me acompanhasse a secretaria. Lá conversamos com o diretor e este chamou o pai ( era mecânico). Nunca mais o aluno trouxe essas coisas pra escola. Também não evolui na aprendizagem, só fica de zoeira. Ele é aluno do 5A. Era aluno do 5B. 

Muito bem, essas histórias são verdadeiras, se eu estava ou não no lugar errado eu não sei... 
                                             
                                          Assim como propagou seu educador maior FREIRE "  [ ...] ai daqueles e daquelas, entre nós, que pararem com a sua capacidade de sonhar, de inventar a sua coragem de denunciar e de anunciar" ( Freire, in Brandão, 1983, p. 101).


      São relatos que eu gostaria de ter escrito antes, bem no inicio, mas não estava a vontade, agora estou. 


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